Tardei cerca de quatro meses para conseguir agendar uma ida no departamento público destinado ao trâmite de documentação de pessoas estrangeiras para dar entrada na renovação do meu visto como estudante na Espanha. A experiência na realização do doutorado em Estudos Internacionais em Paz, Conflitos e Desenvolvimento me levou a realizar uma vivência internacional com um caminho turbulento no que diz respeito às dificuldades para permissão de entrada e renovação para residência por mais de 180 no país. Foram quatro meses atualizando o site oficial para conseguir agendar uma ida no departamento governamental, que estava recebendo uma demanda nunca antes vista devido o alto fluxo de pessoas em situação de refúgio, para além de imigrantes e estudantes. Graças a este ocorrido, perdi a oportunidade de uma bolsa de estudos, pois meu visto certamente não seria renovado em tempo para alcançá-la, uma vez que as demandas nesta instituição governamental são altamente burocráticas e tomam bastante tempo.
Foi quando depois dos quatro meses, finalmente tive logro e consegui agendar uma ida ao departamento responsável. Preparei toda a documentação em tempo e durante a ida ao local, estava com um mix de sentimentos que envolviam medo e um forte descontentamento com a maneira com a qual este processo é levado em geral. Na chegada, vi o segurança tendo uma discussão com um imigrante que estava reclamando sobre a falta de horários para agendamentos e já pude perceber que aquele se tratava de um local com um forte índice de conflitos, uma vez que os sentimentos envolvidos são quase sempre de cansaço, insegurança, medo e frustração. Além de um entorno de gerava tristeza e revolta principalmente, pelo fato de depararem com a alta demanda de pessoas em situação de refúgio provenientes da Ucrânia, que certamente trouxeram desafios muito grandes para este departamento de resolução de documentação e permanência de pessoas estrangeiras, na tentativa de solucionar e dimensionar os reflexos desta crise social, econômica e principalmente, humanitária.
Após presenciar a discussão, respirei fundo. Tentei levar o meu pensamento para momentos de segurança, confiança e alegria, para trazer sensações menos dolorosas ao adentrar ao ambiente. Durante a minha chegada, conspirando para a lei da atração após a busca por bons sentimentos, fui atendida inicialmente por um jovem sorridente e muito amável. A calma com a qual ele conduziu a abertura da minha ficha, observando o meu horário marcado e me guiando para uma pessoa responsável que pudesse me auxiliar da melhor maneira, foi exatamente tudo o que eu não esperava da minha primeira experiência no serviço daquele local. A educação do jovem profissional e seu carisma eram de fato muito diferentes de qualquer serviço de atendimento que eu havia experienciado do outro lado do Atlântico. Estou segura de que não haveria pessoa com maior capacidade para estar na hora e lugar exatos e para de uma forma muito natural, levar as pessoas que passam por ele a um outro estado de emoção e alma.
O rapaz que me atendeu se chamava Joan e tem síndrome de down. Eu já havia estudado pesquisas como o relatório I4CP: Empregando Pessoas com Deficiências Intelectuais e de Desenvolvimento, que comprovam a efetividade da presença de pessoas com deficiência intelectual na atuação de cargos em serviços de atendimento e contato com pessoas, principalmente espaços que podem gerar conflitos. Isso acontece porque, a inclusão laboral de pessoas como o Joan, tem suas expectativas superadas com relação a satisfação de clientes. Além disso, a inclusão laboral de pessoas com deficiência intelectual (PDI) é estratégica e reduz os custos de recrutamento e treinamento associado ao preenchimento rotineiro de alta rotatividade. PDI também têm menor absenteísmo e licença médica do que outros funcionários e fazem com que as pessoas deem mais valor à marca, principalmente a geração millenials.
Poder comprovar este conhecimento técnico na prática, fez com que eu valorizasse ainda mais as ações como as que realizamos em parcerias com organizações especializadas em fazer com que mais Joans tenham seu espaço no mundo corporativo e mais Bárbaras se sintam felizes e tocadas com suas presenças nestes e em todos os lugares comuns.
Na Comunica com Alma, temos a honra de ter a Best Buddies Brasil como nossa parceira oficial. Com mais de 30 anos de experiência, trata-se da maior organização do mundo dedicada a acabar com o isolamento social, físico e econômico de 200 milhões de pessoas com Deficiência Intelectual. É um movimento que se espalhou por mais de 60 países, sendo 14 na América Latina.
Crédito: Best Buddies Internacional.
A Best Buddies é uma organização internacional sem fins lucrativos, fundada em 1989 por Anthony Kennedy Shriver. Através de seus programas de metodologia única, gera oportunidades de amizade, trabalho e liderança para inclusão social de pessoas com deficiência intelectual (PDI). Todas as pessoas com e sem deficiência intelectual podem participar dos seus programas. As ações são voltadas a inclusão social de PDI em âmbito de amizade, promovendo a troca e contato e facilitando a criação de vínculos de amizade e inclusão no mercado laboral, facilitando a contratação e oferecendo suporte para uma integração acolhedora.
É principalmente no cenário laboral que a Comunicação Não Violenta atua como ponte para o diálogo e para criação de vínculos e relações profissionais mais eficazes e sobretudo, mais humanas. Com base no fato de todas as pessoas têm capacidades a serem desenvolvidas, o nosso foco se dá em propagar ferramentas e métodos de inclusão social que apoiem estas capacidades e que tragam consciência de que o capacitismo é uma forma de violência ainda muito presente na nossa sociedade.
O capacitismo é a opressão que define pessoas por suas capacidades. É comumente a discriminação para com pessoas com deficiência de diversas formas e a comunicação capacitista provém destes preconceitos e reforçam estereótipos pejorativos e que compactuam com estigmas que colaboram para distintas formas de opressão. Exemplos simples são palavras de uso pejorativo como ''retardado, mongolóide'' que são bastante pejorativas e necessitam ser retiradas do vocabulário comum, até que as pessoas se tornem conscientes e desvinculem patologias das formas que entendem que assim, estão ''ofendendo'' a alguém. Para além de expressões de vocabulário, o próprio termo ''pessoa com deficiência'' é o melhor a ser adotado. Em lugar de ''pessoas especiais'', ou ''pessoas com problema,'' qualquer outro termo que tente apagar a deficiência ou reforçar que são pessoas que estão à margem da sociedade não são boas práticas de uso.
Em nossas oficinas de Comunicação Não Violenta, com ênfase em gerar acolhimento e um processo de integração eficaz, abordamos para muito além do vocabulário, a comunicação de forma integral, junto aos estigmas que muitas vezes de forma inconsciente, são passados adiante e refletidos quando nos vemos em frente a uma situação que não nos é comum. Por muitas vezes, ainda que com as melhores das intenções, profissionais com deficiência intelectual tendem a ser infantilizados, considerados a margem das decisões e julgados antecipadamente como não capazes de aprenderem ou realizarem as suas funções. O que pode acarretar na sobrecarga das demais pessoas do time ou da falta de aprendizagem e pouco espaço para desenvolvimento deste ou desta profissional.
É por isso que o conhecimento e acompanhamento junto a pessoas especializadas neste tipo de integração e em conhecimentos de Comunicação Não Violenta se torna tão efetivo neste processo e traz protagonismo para pessoas que infelizmente, ainda são bastante excluídas da nossa sociedade. Apenas 16,6% de pessoas com deficiência no Brasil possui ensino médio ou superior incompleto, enquanto são 37,2% das pessoas sem deficiência. Cerca de 67% da população com alguma deficiência não completaram o ensino fundamental - IBGE (2019). Menos de 1% da população mundial com algum tipo de deficiência está formalmente trabalhando - RAIS (2015) e casos de violência triplicaram em 2021 contra pessoas com deficiência. De 205 em 2020 para 670 em 2021 (Instituto Jô Clemente).
Dados como este comprovam a urgência de que a existência de organizações como a Best Buddies existam e possam contar com pessoas que atuam frente a erradicação das violências estruturais que nos permeiam. Aqui na Comunica com Alma, nossa principal missão é expandir a comunicação para a paz e fazê-la em cooperação com uma proposta tão transformadora como esta é o que nos move.
Para inspirar e motivar ainda mais, deixamos a campanha de conscientização vinculada no Dia Mundial da Síndrome de Down (21 de março) que foi utilizado como referência no trabalho de inclusão que realizamos em parceria com a Best Buddies Brasil e com o Instituto Jô Clemente para a Mckinzey Brasil.
Sentiu o chamado por aí? Tem vaga no seu time para levar a #inclusão em sua essência mais transformadora? Mande uma mensagem para a gente no contato: info@comunicacomalma.com.br. E bora transformar juntes!
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